A Gramática
Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Simpatarrou.
(Mário de Andrade)
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Simpatarrou.
(Mário de Andrade)
Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mio
Para pior pio
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhado.
Para melhor dizem mio
Para pior pio
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhado.
(Oswald de Andrade)
Descobrimento
Abancado a escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da Rua Lopes Chaves
De repente senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Na minha casa da Rua Lopes Chaves
De repente senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
(Mário de Andrade)
Irene no Céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagine Irene entrando no céu:
_ Fiança, meu branco!
E São Pedro bonachão:
_ Entra Irene. Você não precisa pedir licença.
_ Fiança, meu branco!
E São Pedro bonachão:
_ Entra Irene. Você não precisa pedir licença.
(Manuel Bandeira)
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
Num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(Manuel Bandeira)
Brasil-Menino
Meu pai era gigante, domador de léguas.
Quando um dia partiu, a cavalo
No seu dragão de pêlo azul que era o Tietê dos Bandeirantes,
Lembro-me muito bem de que me disse: olhe, meu filho,
Eu vou sururucar por esta porta e um dia voltarei
[Trazendo umas duzentas léguas de caminho
[E umas dezenas de onças arrastadas pelo
[rabo a pingar sangue do focinho!
E dito e feito! Lá se foi dando impurrôes no mato dos barrancos
Por entre alas de jacarés e de pássaros brancos.
Quando veio o Natal meu pai estava longe,
Em luta com os bichos peludos, com os gatos grandões
[de cabeça listada e com as mulas-de-sete-cabeças
[que moram no fundo das árvores espessas.
No planalto batia um sino perguntando: ele não vem? Ele não vem?
Um outro sino de voz grossa respondia: não...e
[não, dizendo “nããõ” e não.
II
E eu me lembrei de procurar um par de botas
Das que meu pai usava e pôr o par de botas
Atrás da porta do sertão que resmungava entocaiado no arvoredo.
Como fazia frio aquela noite!
Fiquei com tanto medo...Um gato corrumiau
Passeava pelos vãos de telha-vã...
Mas chegou a manhã, linda como um tesouro!
E eu fui achar, com o coração aos pulos de alegria,
As duas botas de couro
Abarrotadas de ouro!
III
Passou mais um ano e meu pai não voltou.
Boteis meus sapatões atrás da porta novamente
E no outro dia
Fui encontrar meus sapatões abarrotados de esmeraldas!
Minha vovó, uma velhinha portuguesa com cabelo de
[garoa e xale azul-xadrez me garantia:
_ “Foi o papa “Noel que trouxe”. Até que um dia
fiz que não mais vi; acordei da ilusão.
Meu pai era um gigante, caçador de léguas,
Um feroz domador de onças pretas,
Terror do mato, assombração das borboletas
Mas tinha um grande coração
Por fim cresci. Hoje sou gente grande.
Sou comissário de café. Tenho viadutos encantados.
Minha cidade é esse túmulo colorido que ao passa
Levando as fábricas pelas rédeas pretas de fumaça!
(Cassiano Ricardo)
Moça linda bem tratada
Moça linda bem tratada,
Três século de família,
Burra como porta:
Moça linda bem tratada,
Três século de família,
Burra como porta:
Um amor.
Grã-fino de despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta
Um coió.
Mulher gordaça, filó
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...
Plutocrata *sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta do pobre arromba
Uma bomba
(Mário de Andrade)
Nada porta, terremoto
Que a porta do pobre arromba
Uma bomba
(Mário de Andrade)
O Capoeira
_ qué apanha sordado?
_ O que?
_Qué apanha?
Pernas e cabeças na calçada.
_ O que?
_Qué apanha?
Pernas e cabeças na calçada.
(Oswald de Andrade)
Estrela da Manhã
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha e falsário
Virgem mal-sexuada
Atribulada dos aflitos
Ladrão, pulha e falsário
Virgem mal-sexuada
Atribulada dos aflitos
Girafas de duas cabeças
Pecai por todos pecai por todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai por todos pecai por todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e os troianos
Com o padre e o sacristão
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperei com maluás novenas cavalhadas comerei terra e direi
Depois comigo
Te esperei com maluás novenas cavalhadas comerei terra e direi
Coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degredada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degredada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã
(Manuel Bandeira)
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